Recentemente eleito Jogo do Ano no The Game Awards 2025, o aclamado Clair Obscur: Expedition 33 teve dois prêmios cassados pelo Indie Game Awards. A decisão, que repercute fortemente na indústria de videogames, foi tomada após vir à tona o uso de inteligência artificial generativa em partes da produção do jogo. (via: ign)
Desenvolvido pela Sandfall Interactive, o título de RPG quebrou recordes no lançamento, mas também incluiu algumas texturas de preenchimento criadas com IA generativa. A desenvolvedora removeu esses elementos cinco dias após o lançamento, alegando que foram incluídos por engano. A questão permaneceu discreta até que comentários de François Meurisse, cofundador e produtor da Sandfall, ressurgiram. Em uma entrevista ao jornal El País publicada em julho, Meurisse afirmou: “Usamos um pouco de IA, mas não muito. A chave é que fomos muito claros sobre o que queríamos fazer e onde investir. E, claro, a tecnologia nos permitiu fazer coisas que eram impensáveis há pouco tempo. As ferramentas e recursos do Unreal Engine 5 foram muito importantes para melhorar os gráficos, a jogabilidade e as cenas cinematográficas.”
O Indie Game Awards, em comunicado oficial, explicou sua decisão. A organização adota uma postura rigorosa em relação ao uso de IA generativa em todo o processo de nomeação e durante a cerimônia. Segundo o comitê, no momento da submissão do jogo, um representante da Sandfall Interactive concordou que nenhuma IA generativa havia sido utilizada no desenvolvimento de Clair Obscur: Expedition 33. Contudo, à luz da confirmação do uso de arte gerada por IA na produção pela Sandfall Interactive, revelada no dia da estreia do Indie Game Awards 2025, o jogo foi desqualificado de sua nomeação. “Embora os recursos em questão tenham sido removidos por meio de patches e seja um jogo maravilhoso, isso contraria os regulamentos que temos em vigor”, afirmou a organização. Como resultado, o comitê de nomeação do IGA concordou em retirar oficialmente os prêmios de Jogo de Estreia e Jogo do Ano. Cada prêmio foi então concedido ao jogo subsequente mais bem classificado em sua respectiva categoria: Sorry We’re Closed recebeu o Jogo de Estreia, e Blue Prince levou o Jogo do Ano.
Em resposta à controvérsia, o jornal El País atualizou seu artigo original para incluir uma declaração da Sandfall, esclarecendo seu uso de IA generativa na produção de Clair Obscur. O estúdio detalha que esteve em contato com o El País em 25 de abril, três meses antes da publicação original. Durante essas trocas, a Sandfall Interactive indicou ter utilizado um número limitado de recursos preexistentes, notadamente ativos 3D obtidos no Unreal Engine Marketplace, e que nenhum desses recursos foi criado usando inteligência artificial. A Sandfall Interactive esclarece ainda que não há ativos criados por IA generativa no jogo final. Quando as primeiras ferramentas de IA ficaram disponíveis em 2022, alguns membros da equipe experimentaram brevemente o uso dessas ferramentas para gerar texturas temporárias de preenchimento. Após o lançamento, instâncias de uma textura de preenchimento foram removidas em cinco dias e substituídas pelas texturas corretas, que sempre foram as pretendidas para o lançamento, mas foram inadvertidamente perdidas durante o processo de controle de qualidade.
O ressurgimento dos comentários de Meurisse ocorreu em meio à repercussão negativa gerada por declarações de Swen Vincke, chefe da Larian Studios. Recentemente, a Larian anunciou Divinity, seu próximo RPG, no The Game Awards. Em uma entrevista à Bloomberg, Vincke mencionou que a Larian estava “apostando pesado” no uso de IA generativa para “explorar ideias, elaborar apresentações em PowerPoint, desenvolver arte conceitual e escrever textos de preenchimento”, embora sem grandes ganhos de eficiência. Vincke, posteriormente, abordou a reação negativa e prometeu uma sessão de perguntas e respostas (AMA) com fãs após as festas de fim de ano para esclarecer dúvidas sobre Divinity e o processo de desenvolvimento. Ele enfatizou que o DNA da Larian é a autonomia, buscando um melhor dia de trabalho e um melhor jogo, e que seria irresponsável não avaliar novas tecnologias. No entanto, garantiu que os processos da empresa estão em constante evolução e serão alterados se não forem eficientes ou não se alinharem com a identidade do estúdio.
O uso de IA generativa no desenvolvimento de videogames se tornou um dos temas mais debatidos na indústria. No mês passado, a Ubisoft, editora de Assassin’s Creed, foi obrigada a remover uma imagem encontrada em Anno 117: Pax Romana que continha elementos gerados por IA, após queixas de fãs. Jogadores de Call of Duty: Black Ops 7 também recorreram às redes sociais para expressar queixas sobre imagens geradas por IA que encontraram no jogo. Outros estúdios como 11 Bit Studios, desenvolvedora de The Alters, e Frontier Developments, criadora de Jurassic World Evolution 3, também enfrentaram a fúria dos fãs após serem flagrados utilizando imagens de IA não divulgadas.
Enquanto a discussão acalorada continua, algumas figuras da indústria demonstraram apoio à tecnologia. Andrew Wilson, CEO da EA, afirmou que a IA está no “coração do nosso negócio”. A Square Enix, após reestruturações e demissões em massa, declarou a necessidade de ser “agressiva na aplicação de IA”. Glen Schofield, criador de Dead Space, detalhou recentemente seus planos para “consertar” a indústria, em parte, por meio do uso de IA generativa no desenvolvimento de jogos. Meghan Morgan Juinio, ex-desenvolvedora de God of War, expressou que “se não abraçarmos a [IA], acredito que estamos nos subestimando.”
Paralelamente, Tim Sweeney, chefe da Epic Games, desenvolvedora de Fortnite, interveio no debate, pedindo que a Valve elimine sua política de Divulgação de Conteúdo Gerado por IA para jogos no Steam. As regras da Valve exigem que os desenvolvedores revelem o uso de conteúdo gerado por IA na página da loja Steam de um jogo. Por exemplo, a página de Arc Raiders, da Embark Studios, inclui uma nota da desenvolvedora sobre como o jogo utiliza conteúdo gerado por IA: “durante o processo de desenvolvimento, podemos usar ferramentas procedurais e baseadas em IA para auxiliar na criação de conteúdo. Em todos esses casos, o produto final reflete a criatividade e a expressão de nossa própria equipe de desenvolvimento.”



